Lisboa
Onde me perco
Onde me misturo na multidão
E me sinto só
No silêncio ensurdecedor
Do trânsito à hora de ponta
No ritmo da máquina de café
No sabor do açúcar no fundo da chávena...
Encontro-me
E rapidamente esqueço o que sou.
Em pedra esculpida em varandas
Suicido tristezas
E experimento o vazio da solidão.
No moribundo Tejo
Lavo os pés
E descanso o sonho...
Saturday 17 October 2009
22iii2002
Morte, porque demoras tu a chegar?
Porque me deixas viver
Nesta angústia de saber
Que um dia me virás buscar?
Leva-me! Leva-me agora,
Pois a dor já não a aguento.
Aproveita este vento;
Sinto que esta é a Hora...
Toma-me pelos lábios! Invade-me o corpo!
Arranca cada pedaço vivo de mim!
Dá-me o prazer de ter um triste fim!
Não quero que deixes vestígios de meu ser morto.
Porque me deixas viver
Nesta angústia de saber
Que um dia me virás buscar?
Leva-me! Leva-me agora,
Pois a dor já não a aguento.
Aproveita este vento;
Sinto que esta é a Hora...
Toma-me pelos lábios! Invade-me o corpo!
Arranca cada pedaço vivo de mim!
Dá-me o prazer de ter um triste fim!
Não quero que deixes vestígios de meu ser morto.
Monday 12 October 2009
Regresso às histórias simples – 5
Eis-me acordado
Com o pouco que sobejou da juventude nas mãos
Estas fotografias onde cruzei os dias
Sem me deter
E por detrás de cada máscara desperta
A morte de quem partiu e se mantém vivo
A luz secou na orla desértica da cidade
Escrevo para sobreviver
Como quem necessita partilhar um segredo
Este corpo em que me escondi
Gastou-se
Quantas noites permanecerão intactas
No fundo do mar? O rosto ainda jovem
Foi tesouro de seivas que me entonteceu
Pelo corpo condeno-me à vida
De susto em susto à inutilidade da escrita
Mas eis-me acordado
Muito tempo depois de mim
Esperando por alguma fulguração do corpo
Esquecido
À porta do meu próprio inferno
Al Berto
In Medo
Com o pouco que sobejou da juventude nas mãos
Estas fotografias onde cruzei os dias
Sem me deter
E por detrás de cada máscara desperta
A morte de quem partiu e se mantém vivo
A luz secou na orla desértica da cidade
Escrevo para sobreviver
Como quem necessita partilhar um segredo
Este corpo em que me escondi
Gastou-se
Quantas noites permanecerão intactas
No fundo do mar? O rosto ainda jovem
Foi tesouro de seivas que me entonteceu
Pelo corpo condeno-me à vida
De susto em susto à inutilidade da escrita
Mas eis-me acordado
Muito tempo depois de mim
Esperando por alguma fulguração do corpo
Esquecido
À porta do meu próprio inferno
Al Berto
In Medo
Sunday 11 October 2009
vii2009
Quero o dia limpo
Manhã de terra húmida
E vento fresco na pele
Quero sol de inverno
E ao longe o silêncio de ondas a quebrar
Quero sentir o ranger de uma cadeira de baloiço
E o pensamento vazio
Não me perturbem – quero estar só
Ser só
Enrolar-me na manta de ilusões retalhadas
E adormecer pela primeira vez
Manhã de terra húmida
E vento fresco na pele
Quero sol de inverno
E ao longe o silêncio de ondas a quebrar
Quero sentir o ranger de uma cadeira de baloiço
E o pensamento vazio
Não me perturbem – quero estar só
Ser só
Enrolar-me na manta de ilusões retalhadas
E adormecer pela primeira vez
Saturday 10 October 2009
Monday 5 October 2009
04x2009
Estou só. Uma vez mais. Cada vez mais.
Desligo-me lentamente do mundo.
E afundo-me em mim.
Escrevê-lo torna tudo mais real, mais longíquo, menos sentido.
Perdi, por vontade própria, mas não racional, quase todo o pouco que tinha.
Também me perdi.
Procuro-me mas não me sinto.
Não sinto em mim nada do que fui. Nem sei se quero ser algo diferente disto.
Da realidade nada me chama.
E então deixo-me estar, insignificante.
Indiferente dos outros e para os outros.
Indiferente de mim?...
…
Arre!, Tu! tu aí dentro da minha cabeca que teimas em pensar e perturbar-me o sono e cegar-me espetando dedos afiados nos olhos – tu que tentas separar o eu do mim – tu que me olhas do espelho de expressão vazia e me dás vómitos – volta ao vazio de onde vieste! Deixa-me dormir!...
Desligo-me lentamente do mundo.
E afundo-me em mim.
Escrevê-lo torna tudo mais real, mais longíquo, menos sentido.
Perdi, por vontade própria, mas não racional, quase todo o pouco que tinha.
Também me perdi.
Procuro-me mas não me sinto.
Não sinto em mim nada do que fui. Nem sei se quero ser algo diferente disto.
Da realidade nada me chama.
E então deixo-me estar, insignificante.
Indiferente dos outros e para os outros.
Indiferente de mim?...
…
Arre!, Tu! tu aí dentro da minha cabeca que teimas em pensar e perturbar-me o sono e cegar-me espetando dedos afiados nos olhos – tu que tentas separar o eu do mim – tu que me olhas do espelho de expressão vazia e me dás vómitos – volta ao vazio de onde vieste! Deixa-me dormir!...
Doêm-me as ideias...
Sunday 4 October 2009
A alma humana é porca como um ânus
A alma humana é porca como um ânus
E a Vantagem dos caralhos pesa em muitas imaginações.
Meu coração desgosta-se de tudo com uma náusea do estômago.
A Távola Redonda foi vendida a peso,
E a biografia do Rei Artur, um galante escreveu-a.
Mas a sucata da cavalaria ainda reina nessas almas, como um perfil distante.
Está frio.
Ponho sobre os ombros o capote que me lembra um xale —
O xale que minha tia me punha aos ombros na infância.
Mas os ombros da minha infância sumiram-se muito para dentro dos meus ombros.
E o meu coração da infância sumiu-se muito para dentro do meu coração.
Sim, está frio...
Está frio em tudo que sou, está frio...
Minhas próprias ideias têm frio, como gente velha...
E o frio que eu tenho das minhas ideias terem frio é mais frio do que elas.
Engelho o capote à minha volta...
O Universo da gente... a gente... as pessoas todas!...
A multiplicidade da humanidade misturada,
Sim, aquilo a que chamam a vida, como se não houvesse outros e estrelas...
Sim, a vida...
Meus ombros descaem tanto que o capote resvala...
Querem comentário melhor — Puxo-me para cima o capote.
Ah, parte a cara à vida!
Liberta-te com estrondo no sossego de ti!
Álvaro de Campos
in Poesia , Assírio & Alvim, ed. Teresa Rita Lopes, 2002
E a Vantagem dos caralhos pesa em muitas imaginações.
Meu coração desgosta-se de tudo com uma náusea do estômago.
A Távola Redonda foi vendida a peso,
E a biografia do Rei Artur, um galante escreveu-a.
Mas a sucata da cavalaria ainda reina nessas almas, como um perfil distante.
Está frio.
Ponho sobre os ombros o capote que me lembra um xale —
O xale que minha tia me punha aos ombros na infância.
Mas os ombros da minha infância sumiram-se muito para dentro dos meus ombros.
E o meu coração da infância sumiu-se muito para dentro do meu coração.
Sim, está frio...
Está frio em tudo que sou, está frio...
Minhas próprias ideias têm frio, como gente velha...
E o frio que eu tenho das minhas ideias terem frio é mais frio do que elas.
Engelho o capote à minha volta...
O Universo da gente... a gente... as pessoas todas!...
A multiplicidade da humanidade misturada,
Sim, aquilo a que chamam a vida, como se não houvesse outros e estrelas...
Sim, a vida...
Meus ombros descaem tanto que o capote resvala...
Querem comentário melhor — Puxo-me para cima o capote.
Ah, parte a cara à vida!
Liberta-te com estrondo no sossego de ti!
Álvaro de Campos
in Poesia , Assírio & Alvim, ed. Teresa Rita Lopes, 2002
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