Wednesday 21 April 2010
21iv2010
Com receio da tua lâmina
Fria limpa implacável
Engulo
Escondo no estômago
As palavras indizíveis
Para que expludam somente dentro de mim
Aguardo a noite de digestão difícil
De ácidos corroendo-me o interior
Da revolta dos fluídos verdes
...
Queria vomitar
Vomitar-vos para cima toda a minha dor
Afogar-vos no meu tormento
Sentir pela manhã o alívio cansado
Sorrir ao reflexo da pele pontilhada de derrames sanguíneos dos músculos esforçados
E sentir-me vazia de mim
Apanho do chão a lâmina suja e sou livre...
Fria limpa implacável
Engulo
Escondo no estômago
As palavras indizíveis
Para que expludam somente dentro de mim
Aguardo a noite de digestão difícil
De ácidos corroendo-me o interior
Da revolta dos fluídos verdes
...
Queria vomitar
Vomitar-vos para cima toda a minha dor
Afogar-vos no meu tormento
Sentir pela manhã o alívio cansado
Sorrir ao reflexo da pele pontilhada de derrames sanguíneos dos músculos esforçados
E sentir-me vazia de mim
Apanho do chão a lâmina suja e sou livre...
38.
Invejo a todas as pessoas o não serem eu. Como de todos os impossíveis, esse sempre me pareceu o maior de todos, foi o que mais se constituiu na minha ânsia quotidiana, o meu desespero de todas as horas tristes.
Um rajada baça de sol turvo queimou nos meus olhos a sensação física de olhar. Um amarelo de calor estagnou no verde preto das árvores. O torpor.
Um rajada baça de sol turvo queimou nos meus olhos a sensação física de olhar. Um amarelo de calor estagnou no verde preto das árvores. O torpor.
Bernardo Soares
in Livro do Desassossego
Saturday 10 April 2010
Bemdito Sejas
Bemdito sejas,
Meu verdadeiro conforto
E meu verdadeiro amigo!
Quando a sombra, quando a noite
Dos altos céus vem descendo,
A minha dôr,
Estremecendo, acórda...
A minha dôr é um leão
Que lentamente mordendo
Me devora o coração.
Canto e chóro amargamente;
Mas a dôr, indiferente,
Continúa...
Então,
Febríl, quase louco,
Corro a ti, vinho louvado!
- E a minha dôr adormece,
E o leão é socegado.
Quanto mais bêbo mais dórme:
Vinho adorado,
O teu poder é enorme!
E eu vos digo, almas em chaga,
Ó almas tristes sangrando:
Andarei sempre
Em constante bebedeira!
Grande vida!
- Ter o vinho por amante
E a morte por companheira!
António Botto
in Canções
Meu verdadeiro conforto
E meu verdadeiro amigo!
Quando a sombra, quando a noite
Dos altos céus vem descendo,
A minha dôr,
Estremecendo, acórda...
A minha dôr é um leão
Que lentamente mordendo
Me devora o coração.
Canto e chóro amargamente;
Mas a dôr, indiferente,
Continúa...
Então,
Febríl, quase louco,
Corro a ti, vinho louvado!
- E a minha dôr adormece,
E o leão é socegado.
Quanto mais bêbo mais dórme:
Vinho adorado,
O teu poder é enorme!
E eu vos digo, almas em chaga,
Ó almas tristes sangrando:
Andarei sempre
Em constante bebedeira!
Grande vida!
- Ter o vinho por amante
E a morte por companheira!
António Botto
in Canções
Wednesday 24 March 2010
Espancando-me...
Minha Culpa
Sei lá! Sei lá! Eu sei lá bem
Quem sou?! Um fogo-fátuo, uma miragem...
Sou um reflexo... um canto de paisagem
Ou apenas cenário! Um vaivém...
Como a sorte: hoje aqui, depois além!
Sei lá quem Sou?! Sei lá! Sou a roupagem
Dum doido que partiu numa romagem
E nunca mais voltou! Eu sei lá quem!...
Sou um verme que um dia quis ser astro...
Uma estátua truncada de alabastro...
Uma chaga sangrenta do Senhor...
Sei lá quem sou?! Sei lá! Cumprindo os fados,
Num mundo de vaidades e pecados,
Sou mais um mau, sou mais um pecador...
Florbela Espanca
in Charneca em Flor
Cegueira Bendita
Ando perdida nestes sonhos verdes
De ter nascido e não saber quem sou,
Ando ceguinha a tatear paredes
E nem ao menos sei quem me cegou!
Não vejo nada, tudo é morto e vago...
E a minha alma cega, ao abandono
Faz-me lembrar o nenúfar dum lago
'Stendendo as asas brancas cor do sonho...
Ter dentro d'alma na luz de todo o mundo
E não ver nada nesse mar sem fundo,
Poetas meus irmãos, que triste sorte!...
E chamam-nos a nós Iluminados!
Pobres cegos sem culpas, sem pecados,
A sofrer pelos outros té à morte!
Florbela Espanca
in A Mensageira das Violetas
Interrogação
Neste tormento inútil, neste empenho
De tornar em silêncio o que em mim canta,
Sobem-me roucos brados à garganta
Num clamor de loucura que contenho.
Ó alma de charneca sacrossanta,
Irmã da alma rútila que eu tenho,
Dize pra onde vou, donde é que venho
Nesta dor que me exalta e me alevanta!
Visões de mundos novos, de infinitos,
Cadências de soluços e de gritos,
Fogueira a esbrasear que me consome!
Dize que mão é esta que me arrasta?
Nódoa de sangue que palpita e alastra...
Dize de que é que eu tenho sede e fome?!
Florbela Espanca
in Charneca em Flor
Tédio
Passo pálida e triste. Oiço dizer:
"Que branca que ela é! Parece morta!"
E eu que vou sonhando, vaga, absorta,
Não tenho um gesto, ou um olhar sequer...
Que diga o mundo e a gente o que quiser!
- O que é que isso me faz? O que me importa?...
O frio que trago dentro gela e corta
Tudo que é sonho e graça na mulher!
O que é que me importa?! Essa tristeza
É menos dor intensa que frieza,
É um tédio profundo de viver!
E é tudo sempre o mesmo, eternamente...
O mesmo lago plácido, dormente...
E os dias, sempre os mesmos, a correr...
Florbela Espanca
in Livro de Mágoas
Sei lá! Sei lá! Eu sei lá bem
Quem sou?! Um fogo-fátuo, uma miragem...
Sou um reflexo... um canto de paisagem
Ou apenas cenário! Um vaivém...
Como a sorte: hoje aqui, depois além!
Sei lá quem Sou?! Sei lá! Sou a roupagem
Dum doido que partiu numa romagem
E nunca mais voltou! Eu sei lá quem!...
Sou um verme que um dia quis ser astro...
Uma estátua truncada de alabastro...
Uma chaga sangrenta do Senhor...
Sei lá quem sou?! Sei lá! Cumprindo os fados,
Num mundo de vaidades e pecados,
Sou mais um mau, sou mais um pecador...
Florbela Espanca
in Charneca em Flor
Cegueira Bendita
Ando perdida nestes sonhos verdes
De ter nascido e não saber quem sou,
Ando ceguinha a tatear paredes
E nem ao menos sei quem me cegou!
Não vejo nada, tudo é morto e vago...
E a minha alma cega, ao abandono
Faz-me lembrar o nenúfar dum lago
'Stendendo as asas brancas cor do sonho...
Ter dentro d'alma na luz de todo o mundo
E não ver nada nesse mar sem fundo,
Poetas meus irmãos, que triste sorte!...
E chamam-nos a nós Iluminados!
Pobres cegos sem culpas, sem pecados,
A sofrer pelos outros té à morte!
Florbela Espanca
in A Mensageira das Violetas
Interrogação
Neste tormento inútil, neste empenho
De tornar em silêncio o que em mim canta,
Sobem-me roucos brados à garganta
Num clamor de loucura que contenho.
Ó alma de charneca sacrossanta,
Irmã da alma rútila que eu tenho,
Dize pra onde vou, donde é que venho
Nesta dor que me exalta e me alevanta!
Visões de mundos novos, de infinitos,
Cadências de soluços e de gritos,
Fogueira a esbrasear que me consome!
Dize que mão é esta que me arrasta?
Nódoa de sangue que palpita e alastra...
Dize de que é que eu tenho sede e fome?!
Florbela Espanca
in Charneca em Flor
Tédio
Passo pálida e triste. Oiço dizer:
"Que branca que ela é! Parece morta!"
E eu que vou sonhando, vaga, absorta,
Não tenho um gesto, ou um olhar sequer...
Que diga o mundo e a gente o que quiser!
- O que é que isso me faz? O que me importa?...
O frio que trago dentro gela e corta
Tudo que é sonho e graça na mulher!
O que é que me importa?! Essa tristeza
É menos dor intensa que frieza,
É um tédio profundo de viver!
E é tudo sempre o mesmo, eternamente...
O mesmo lago plácido, dormente...
E os dias, sempre os mesmos, a correr...
Florbela Espanca
in Livro de Mágoas
Friday 19 March 2010
Acordar
Acordar da cidade de Lisboa, mais tarde do que as outras,
Acordar da Rua do Ouro,
Acordar do Rocio, às portas dos cafés,
Acordar
E no meio de tudo a gare, que nunca dorme,
Como um coração que tem que pulsar através da vigília e do sono.
Toda a manhã que raia, raia sempre no mesmo lugar,
Não há manhãs sobre cidades, ou manhãs sobre o campo.
À hora em que o dia raia, em que a luz estremece a erguer-se
Todos os lugares são o mesmo lugar, todas as terras são a mesma,
E é eterna e de todos os lugares a frescura que sobe por tudo.
Uma espiritualidade feita com a nossa própria carne,
Um alívio de viver de que o nosso corpo partilha,
Um entusiasmo por o dia que vai vir, uma alegria por o que pode acontecer de bom,
São os sentimentos que nascem de estar olhando para a madrugada,
Seja ela a leve senhora dos cumes dos montes,
Seja ela a invasora lenta das ruas das cidades que vão leste-oeste,
Seja
A mulher que chora baixinho
Entre o ruído da multidão em vivas...
O vendedor de ruas, que tem um pregão esquisito,
Cheio de individualidade para quem repara...
O arcanjo isolado, escultura em catedral,
Siringe fugindo aos braços estendidos de Pã,
Tudo isto tende para o mesmo centro,
Busca encontrar-se e fundir-se
Na minha alma.
Eu adoro todas as coisas
E o meu coração é um albergue aberto toda a noite.
Tenho pela vida um interesse ávido
Que busca compreendê-la sentido-a muito.
Amo tudo, animo tudo, empresto humanidade a tudo,
Aos homens e às pedras, às almas e às máquinas,
Para aumentar com isso a minha personalidade.
Pertenço a tudo para pertencer cada vez mais a mim próprio
E a minha ambição era trazer o universo ao colo
Como uma criança a quem a ama beija.
Eu amo todas as coisas, umas mais do que as outras,
Não nenhuma mais do que outra, mas sempre mais as que estou vendo
Do que as que vi ou verei.
Nada para mim é tão belo como o movimento e as sensações.
A vida é uma grande feira tudo são barracas e saltimbancos.
Penso nisto, enterneço-me mas não sossego nunca.
Dá-me lírios, lírios
E rosas também.
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também,
Crisântemos, dálias,
Violetas, e os girassóis
Acima de todas as flores...
Deita-me as mancheias,
Por cima da alma,
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também...
Meu coração chora
Na sombra dos parques,
Não tem quem o console
Verdadeiramente,
Exceto a própria sombra dos parques
Entrando-me na alma,
Através do pranto.
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também...
Minha dor é velha
Como um frasco de essência cheio de pó.
Minha dor é inútil
Como uma gaiola numa terra onde não há aves,
E minha dor é silenciosa e triste
Como a parte da praia onde o mar não chega.
Chego às janelas
Dos palácios arruinados
E cismo de dentro para fora
Para me consolar do presente.
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também...
Mas por mais rosas e lírios que me dês,
Eu nunca acharei que a vida é bastante.
Faltar-me-á sempre qualquer coisa,
Sobrar-me-á sempre de que desejar,
Como um palco deserto.
Por isso, não te importes com o que eu penso,
E muito embora o que eu te peça
Te pareça que não quer dizer nada,
Minha pobre criança tísica,
Dá-me das tuas rosas e dos teus lírios,
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também...
Álvaro de Campos
in Poemas
Acordar da Rua do Ouro,
Acordar do Rocio, às portas dos cafés,
Acordar
E no meio de tudo a gare, que nunca dorme,
Como um coração que tem que pulsar através da vigília e do sono.
Toda a manhã que raia, raia sempre no mesmo lugar,
Não há manhãs sobre cidades, ou manhãs sobre o campo.
À hora em que o dia raia, em que a luz estremece a erguer-se
Todos os lugares são o mesmo lugar, todas as terras são a mesma,
E é eterna e de todos os lugares a frescura que sobe por tudo.
Uma espiritualidade feita com a nossa própria carne,
Um alívio de viver de que o nosso corpo partilha,
Um entusiasmo por o dia que vai vir, uma alegria por o que pode acontecer de bom,
São os sentimentos que nascem de estar olhando para a madrugada,
Seja ela a leve senhora dos cumes dos montes,
Seja ela a invasora lenta das ruas das cidades que vão leste-oeste,
Seja
A mulher que chora baixinho
Entre o ruído da multidão em vivas...
O vendedor de ruas, que tem um pregão esquisito,
Cheio de individualidade para quem repara...
O arcanjo isolado, escultura em catedral,
Siringe fugindo aos braços estendidos de Pã,
Tudo isto tende para o mesmo centro,
Busca encontrar-se e fundir-se
Na minha alma.
Eu adoro todas as coisas
E o meu coração é um albergue aberto toda a noite.
Tenho pela vida um interesse ávido
Que busca compreendê-la sentido-a muito.
Amo tudo, animo tudo, empresto humanidade a tudo,
Aos homens e às pedras, às almas e às máquinas,
Para aumentar com isso a minha personalidade.
Pertenço a tudo para pertencer cada vez mais a mim próprio
E a minha ambição era trazer o universo ao colo
Como uma criança a quem a ama beija.
Eu amo todas as coisas, umas mais do que as outras,
Não nenhuma mais do que outra, mas sempre mais as que estou vendo
Do que as que vi ou verei.
Nada para mim é tão belo como o movimento e as sensações.
A vida é uma grande feira tudo são barracas e saltimbancos.
Penso nisto, enterneço-me mas não sossego nunca.
Dá-me lírios, lírios
E rosas também.
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também,
Crisântemos, dálias,
Violetas, e os girassóis
Acima de todas as flores...
Deita-me as mancheias,
Por cima da alma,
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também...
Meu coração chora
Na sombra dos parques,
Não tem quem o console
Verdadeiramente,
Exceto a própria sombra dos parques
Entrando-me na alma,
Através do pranto.
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também...
Minha dor é velha
Como um frasco de essência cheio de pó.
Minha dor é inútil
Como uma gaiola numa terra onde não há aves,
E minha dor é silenciosa e triste
Como a parte da praia onde o mar não chega.
Chego às janelas
Dos palácios arruinados
E cismo de dentro para fora
Para me consolar do presente.
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também...
Mas por mais rosas e lírios que me dês,
Eu nunca acharei que a vida é bastante.
Faltar-me-á sempre qualquer coisa,
Sobrar-me-á sempre de que desejar,
Como um palco deserto.
Por isso, não te importes com o que eu penso,
E muito embora o que eu te peça
Te pareça que não quer dizer nada,
Minha pobre criança tísica,
Dá-me das tuas rosas e dos teus lírios,
Dá-me rosas, rosas,
E lírios também...
Álvaro de Campos
in Poemas
Thursday 18 March 2010
*
Fui envenenado pela dor obscura do Futuro.
Eu sabia já que algo se preparava contra o meu corpo.
Agora torço-me de agonia
nos versos deste poema.
Esta é a terra outrora fértil que os meus dedos dilaceram.
Os meus lábios são feitos desta terra,
são lama quente.
Vou partir pelo teu rosto para mais longe.
A minha fome é ter-te olhado
e estar cego. Agora sei que te abres para o fogo
do relâmpago.
Tenho a convicção dos temporais.
Já não sei o que digo nem o que isso importa.
Guia dos meus cabelos rasos, da melancolia,
da vida efémera dos gestos.
Nesse dia fui melhor actor do que a minha sinceridade.
A cesura enerva-me no estômago.
Cortei de manhã as pontas dos dedos mas sei já que
elas crescerão de novo a proteger as unhas.
Talvez a vida seja estranha,
talvez a vida seja simples,
talvez a vida seja outra vida.
A linha branca da Beleza é a minha atitude que se transforma.
A violência do sono sobe
sobre o meu conhecimento.
Fui algures um horizonte na secessão das pálpebras.
*O Amor, um Dever de Passagem
Nuno Júdice
in O Pavão Sonoro
Eu sabia já que algo se preparava contra o meu corpo.
Agora torço-me de agonia
nos versos deste poema.
Esta é a terra outrora fértil que os meus dedos dilaceram.
Os meus lábios são feitos desta terra,
são lama quente.
Vou partir pelo teu rosto para mais longe.
A minha fome é ter-te olhado
e estar cego. Agora sei que te abres para o fogo
do relâmpago.
Tenho a convicção dos temporais.
Já não sei o que digo nem o que isso importa.
Guia dos meus cabelos rasos, da melancolia,
da vida efémera dos gestos.
Nesse dia fui melhor actor do que a minha sinceridade.
A cesura enerva-me no estômago.
Cortei de manhã as pontas dos dedos mas sei já que
elas crescerão de novo a proteger as unhas.
Talvez a vida seja estranha,
talvez a vida seja simples,
talvez a vida seja outra vida.
A linha branca da Beleza é a minha atitude que se transforma.
A violência do sono sobe
sobre o meu conhecimento.
Fui algures um horizonte na secessão das pálpebras.
*O Amor, um Dever de Passagem
Nuno Júdice
in O Pavão Sonoro
Tuesday 16 March 2010
11iv2007
Friday 12 March 2010
O Morto Prazenteiro
Onde haja caracóis, n'um fecundo torrão,
Uma grandiosa cova eu mesmo quero abrir,
Onde repouse em paz, onde possa dormir,
Como dorme no oceano o livre tubarão.
Detesto os mausoléus, odeio os monumentos,
E, a ter de suplicar as lágrimas do mundo,
Prefiro oferecer o meu carcaz imundo,
Qual precioso manjar, aos corvos agoirentos.
Verme, larva brutal, tenebroso mineiro,
Vai entregar-se a vós um morto prazenteiro,
Que livremente busca a treva, a podridão!
Sem piedade, minai a minha carne impura,
E dizei-me depois se existe uma tortura
Que não tenha sofrido este meu coração!
Charles Baudelaire
in As Flores do Mal
Tradução de Delfim Guimarães
Uma grandiosa cova eu mesmo quero abrir,
Onde repouse em paz, onde possa dormir,
Como dorme no oceano o livre tubarão.
Detesto os mausoléus, odeio os monumentos,
E, a ter de suplicar as lágrimas do mundo,
Prefiro oferecer o meu carcaz imundo,
Qual precioso manjar, aos corvos agoirentos.
Verme, larva brutal, tenebroso mineiro,
Vai entregar-se a vós um morto prazenteiro,
Que livremente busca a treva, a podridão!
Sem piedade, minai a minha carne impura,
E dizei-me depois se existe uma tortura
Que não tenha sofrido este meu coração!
Charles Baudelaire
in As Flores do Mal
Tradução de Delfim Guimarães
Tuesday 2 March 2010
XXXVIII
Enough! Enough! Enough!
Somehow I have been stunn'd. Stand back!
Give me a little time beyond my cuff'd head, slumbers, dreams, gaping,
I discover myself on the verge of a usual mistake.
That I could forget the mockers and insults!
That I could forget the trickling tears and the blows of the bludgeons and hammers!
That I could look with a separate look on my crucifixion and bloody crowning.
I remember now,
I resume the overstaid fraction,
The grave of the rock multiplies what has been confined to it, or to any graves,
Corpses rise, gashes heal, fastenings roll from me.
(...)
Walt Whitman
in Song of Myself
Somehow I have been stunn'd. Stand back!
Give me a little time beyond my cuff'd head, slumbers, dreams, gaping,
I discover myself on the verge of a usual mistake.
That I could forget the mockers and insults!
That I could forget the trickling tears and the blows of the bludgeons and hammers!
That I could look with a separate look on my crucifixion and bloody crowning.
I remember now,
I resume the overstaid fraction,
The grave of the rock multiplies what has been confined to it, or to any graves,
Corpses rise, gashes heal, fastenings roll from me.
(...)
Walt Whitman
in Song of Myself
Viver sempre também cansa
Viver também cansa.
O sol é sempre o mesmo e o céu azul
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinzento, negro, quase-verde...
Mas nunca tem cor inesperada.
O mundo não se modifica.
As árvores dão flores,
folhas, frutos e pássaros
como máquinas verdes.
As paisagens também não se transformam.
Não cai neve vermelha,
não há flores que voem,
a lua não tem olhos
e ninguém vai pintar olhos à lua.
Tudo é igual, mecânico e exacto.
Ainda por cima os homens são homens.
Soluçam, bebem, riem e digerem
sem imaginação.
E há bairros miseráveis sempre os mesmos,
discursos de Mussolini,
guerras, orgulhos em transe,
automóveis de corrida...
E obrigam-me a viver até à Morte!
Pois não era mais humano
morrer por um bocadinho,
de vez em quando,
e recomeçar depois,
achando tudo mais novo?
Ah! se eu pudesse suicidar-me por seis meses,
morrer em cima dum divã
com a cabeça sobre uma almofada,
confiante e sereno por saber
que tu velavas, meu amor do Norte.
Quando viessem perguntar por mim,
havias de dizer com o teu sorriso
onde arde um coração em melancolia:
"Matou-se esta manhã.
Agora não o vou ressuscitar
por uma bagatela."
E virias depois, suavemente,
velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a Morte ainda menina no meu colo...
José Gomes Ferreira
O sol é sempre o mesmo e o céu azul
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinzento, negro, quase-verde...
Mas nunca tem cor inesperada.
O mundo não se modifica.
As árvores dão flores,
folhas, frutos e pássaros
como máquinas verdes.
As paisagens também não se transformam.
Não cai neve vermelha,
não há flores que voem,
a lua não tem olhos
e ninguém vai pintar olhos à lua.
Tudo é igual, mecânico e exacto.
Ainda por cima os homens são homens.
Soluçam, bebem, riem e digerem
sem imaginação.
E há bairros miseráveis sempre os mesmos,
discursos de Mussolini,
guerras, orgulhos em transe,
automóveis de corrida...
E obrigam-me a viver até à Morte!
Pois não era mais humano
morrer por um bocadinho,
de vez em quando,
e recomeçar depois,
achando tudo mais novo?
Ah! se eu pudesse suicidar-me por seis meses,
morrer em cima dum divã
com a cabeça sobre uma almofada,
confiante e sereno por saber
que tu velavas, meu amor do Norte.
Quando viessem perguntar por mim,
havias de dizer com o teu sorriso
onde arde um coração em melancolia:
"Matou-se esta manhã.
Agora não o vou ressuscitar
por uma bagatela."
E virias depois, suavemente,
velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a Morte ainda menina no meu colo...
José Gomes Ferreira
Wednesday 24 February 2010
26
Não quero ser quem sou, é evidente;
antes monstro qualquer com ar de gente
do que este tronco de árvore daninha
onde repousam ninhos de fantasmas
e brilham finos dentes de duendes.
Antes ser, no ar frio, nuvem que voa
branca de não ser nada, para leste,
do que esta sombra humana que me deste
sem dimensão nem cor, nem sábia hipnose,
nem o fulgor vulgar dos ectoplasmas.
Na pele esburacada já deitaram
semente microscópicos venenos;
vou-me deixar levar, por mão de verme,
antes que à luz do dia possas ver-me.
António Franco Alexandre
in Duende
antes monstro qualquer com ar de gente
do que este tronco de árvore daninha
onde repousam ninhos de fantasmas
e brilham finos dentes de duendes.
Antes ser, no ar frio, nuvem que voa
branca de não ser nada, para leste,
do que esta sombra humana que me deste
sem dimensão nem cor, nem sábia hipnose,
nem o fulgor vulgar dos ectoplasmas.
Na pele esburacada já deitaram
semente microscópicos venenos;
vou-me deixar levar, por mão de verme,
antes que à luz do dia possas ver-me.
António Franco Alexandre
in Duende
24ii2010
Por mim
não há palavras escritas
nem lágrimas salgadas choradas derramadas
Por mim
o sol não brilha nem aquece
e o nevoeiro não se levanta
Por mim
pouco foi feito
e, desse mesmo pouco, não sou merecedor
Não valho nada e não há nada que me valhe...
Não há ferros que me arranquem a tristeza de dentro
não há facas que cortem as ideias o pensamento
não há lâmina que me corte os pulsos e me sangre o tormento!
não há palavras escritas
nem lágrimas salgadas choradas derramadas
Por mim
o sol não brilha nem aquece
e o nevoeiro não se levanta
Por mim
pouco foi feito
e, desse mesmo pouco, não sou merecedor
Não valho nada e não há nada que me valhe...
Não há ferros que me arranquem a tristeza de dentro
não há facas que cortem as ideias o pensamento
não há lâmina que me corte os pulsos e me sangre o tormento!
Sunday 7 February 2010
Sem título e bastante breve
(...)
dizem, que ao possuir tudo isto
poderia ter sido um homem feliz, que tem por defeito interrogar-se acerca da melancolia das mãos
esta memória-lâmina incansável
um cigarro
outro cigarro vai certamente acalmar-me
que sei eu sobre tempestades do sangue? e da água?
no fundo, só amo o lado escondido das ilhas
amanheço dolorosamente, escrevo aquilo que posso
estou imóvel, a luz atravessa-me como um sismo
hoje, vou correr à velocidade da minha solidão
Al Berto
dizem, que ao possuir tudo isto
poderia ter sido um homem feliz, que tem por defeito interrogar-se acerca da melancolia das mãos
esta memória-lâmina incansável
um cigarro
outro cigarro vai certamente acalmar-me
que sei eu sobre tempestades do sangue? e da água?
no fundo, só amo o lado escondido das ilhas
amanheço dolorosamente, escrevo aquilo que posso
estou imóvel, a luz atravessa-me como um sismo
hoje, vou correr à velocidade da minha solidão
Al Berto
Visita-me enquanto não envelheço
visita-me enquanto não envelheço
toma estas palavras cheias de medo e surpreende-me
com teu rosto de Modigliani suicidado
tenho uma varanda ampla cheia de malvas
e o marulhar das noites povoadas de peixes voadores
ver-me antes que a bruma contamine os alicerces
as pedras nacaradas deste vulcão a lava do desejo
subindo à boca sulfurosa dos espelhos
antes que desperte em mim o grito
dalguma terna Jeanne Hébuterne a paixão
derrama-se quando tua ausência se prende às veias
prontas a esvaziarem-se do rubro ouro
perco-te no sono das marítimas paisagens
estas feridas de barro e quartzo
os olhos escancarados para a infindável água
com teu sabor de açúcar queimado em redor da noite
sonhar perto do coração que não sabe como tocar-te
Al Berto
in 'Salsugem'
toma estas palavras cheias de medo e surpreende-me
com teu rosto de Modigliani suicidado
tenho uma varanda ampla cheia de malvas
e o marulhar das noites povoadas de peixes voadores
ver-me antes que a bruma contamine os alicerces
as pedras nacaradas deste vulcão a lava do desejo
subindo à boca sulfurosa dos espelhos
antes que desperte em mim o grito
dalguma terna Jeanne Hébuterne a paixão
derrama-se quando tua ausência se prende às veias
prontas a esvaziarem-se do rubro ouro
perco-te no sono das marítimas paisagens
estas feridas de barro e quartzo
os olhos escancarados para a infindável água
com teu sabor de açúcar queimado em redor da noite
sonhar perto do coração que não sabe como tocar-te
Al Berto
in 'Salsugem'
Wednesday 9 December 2009
O corpo, o rosto, os espelhos, o resto
Existo. Sou uma estrutura com a vulgar forma humana.
Sei de que peças se compõe essa estrutura, como se movem, quais são as suas funções. Sei usálas, normalmente. Vejo-me. Que me vejo? Vejo os meus pés, as minhas mãos, os braços, as pernas, o lado esquerdo do meu corpo, o lado direito, a frente do meu corpo, a pele, a superfície, o contorno da superfície, o movimento da estrutura-máquina que sou. Sou uma peça única. Que posso comandar.
Donde me comando? Para lá da máquina, onde estou eu exactamente.
Procurei-me no reflexo dos espelhos. Todo o reflexo de mim era ao contrário do que sou. E o rosto? O rosto é um ser vivo independente do corpo. Uma janela donde me vejo. E porque o rosto é um ser vivo, qualquer momento em que o veja reflectido, o seu reflexo pode não ser igual àquele que reflectiu antes, nem ao que reflectirá a seguir. E qualquer pessoa que olhar o meu rosto em qualquer momento, poderá não ver exactamente o mesmo que veria se me olhasse antes ou depois desse momento. Eu mesma, o que vejo de mim no reflexo dos espelhos nem sempre é o mesmo que me imagino. Isso leva-me a pensar que o que de mim julgo e imagino pode ser pura invenção. Eu não sou a realidade que me atribuo nem o que, conforme o momento, a hora, a ocasião, os outros de fora de mim me julgam. De fora de mim me constroem. Eu apenas assisto. Donde exactamente?
Sei de que peças se compõe essa estrutura, como se movem, quais são as suas funções. Sei usálas, normalmente. Vejo-me. Que me vejo? Vejo os meus pés, as minhas mãos, os braços, as pernas, o lado esquerdo do meu corpo, o lado direito, a frente do meu corpo, a pele, a superfície, o contorno da superfície, o movimento da estrutura-máquina que sou. Sou uma peça única. Que posso comandar.
Donde me comando? Para lá da máquina, onde estou eu exactamente.
Procurei-me no reflexo dos espelhos. Todo o reflexo de mim era ao contrário do que sou. E o rosto? O rosto é um ser vivo independente do corpo. Uma janela donde me vejo. E porque o rosto é um ser vivo, qualquer momento em que o veja reflectido, o seu reflexo pode não ser igual àquele que reflectiu antes, nem ao que reflectirá a seguir. E qualquer pessoa que olhar o meu rosto em qualquer momento, poderá não ver exactamente o mesmo que veria se me olhasse antes ou depois desse momento. Eu mesma, o que vejo de mim no reflexo dos espelhos nem sempre é o mesmo que me imagino. Isso leva-me a pensar que o que de mim julgo e imagino pode ser pura invenção. Eu não sou a realidade que me atribuo nem o que, conforme o momento, a hora, a ocasião, os outros de fora de mim me julgam. De fora de mim me constroem. Eu apenas assisto. Donde exactamente?
Já não sei se existo.
Maria Keil
Maria Keil
Imagem Eye, M. C. Escher 1946
Tuesday 8 December 2009
04iii2008
Vingar-me-ei do tormento que é acordar para mais um dia agonizante de tanto pensar em ti, de não te querer em mim.
Pagarás por todas as noites perdidas em meu próprio inferno de lâminas com as quais desesperadamente tento cortar o cordão umbilical que me une ao teu reflexo.
Pagarás por todas as noites perdidas em meu próprio inferno de lâminas com as quais desesperadamente tento cortar o cordão umbilical que me une ao teu reflexo.
Friday 4 December 2009
04xii2009
Raiva.
Raiva de cão a roer osso.
De cão tinhoso.
De cão fornicando o poste em desespero de umas gotas de alegria numa vida de abandono.
Raiva de lábios rebentados e dentes rangendo nas noites não dormidas.
Raiva da raiva que me consome de dentro para fora.
Raiva do que me rodeia sem razão de existir.
Porque me apetece odiar o mundo porque me odeio a mim própria.
Raiva de cão a roer osso.
De cão tinhoso.
De cão fornicando o poste em desespero de umas gotas de alegria numa vida de abandono.
Raiva de lábios rebentados e dentes rangendo nas noites não dormidas.
Raiva da raiva que me consome de dentro para fora.
Raiva do que me rodeia sem razão de existir.
Porque me apetece odiar o mundo porque me odeio a mim própria.
13iii2008
Não! Não irei procurar de novo os restos de ti (do teu amor).
Não serei mais uma vez só um corpo para atenuar o amargo dos teus dias...
Não serei mais uma vez só um corpo para atenuar o amargo dos teus dias...
Thursday 19 November 2009
'Os sentimentos que mais doem, as emoções que mais pungem, são os que são absurdos - a ânsia de coisas impossíveis, a saudade do que nunca houve, o desejo do que poderia ter sido, a mágoa de não ser outro, a insatisfação da existência do mundo. Todos estes meios-tons da consciência da alma criam em nós uma paisagem dolorida, um eterno sol-pôr do que somos. O sentirmo-nos é então um campo deserto a escurecer, triste de juncos ao pé de um rio sem barcos, negrejando claramente entre margens afastadas.
Não sei se estes sentimentos são uma loucura lenta do desconsolo, se são reminiscências de qualquer outro mundo em que houvéssemos estado - reminiscências cruzadas e misturadas, como coisas vistas em sonhos, absurdas na figura que vemos mas não na origem se a soubéssemos. Não sei se houve outros seres que fomos, cuja maior completidão sentimos hoje, na sombra que deles somos, de uma maneira incompleta - perdida a solidez e nós figuramo-no-la mal nas só duas dimensões da sombra que vivemos.
Sei que estes pensamentos da emoção doem com raiva na alma. A impossibilidade de nos figurar uma coisa a que correspondam, a impossibilidade de encontrar qualquer coisa que substitua aquela a que se abraçam em visão - tudo isto pesa como uma condenação dada não se sabe onde, ou por quem, ou porquê.
Mas o que fica de sentir tudo isto é com certeza um desgosto da vida e de todos os seus gestos, um cansaço antecipado dos desejos e de todos os seus modos, um desgosto anónimo de todos os sentimentos. Nestas horas de mágoa súbtil, torna-se-nos impossível, até em sonho, ser amante, ser herói, ser feliz. Tudo isso está vazio, até na ideia do que é. Tudo isso está dito em outra linguagem, para nós incompreensível, meros sons de sílabas sem forma no entendimento. A vida é oca, a alma é oca, o mundo é oco. Todos os deuses morrem de uma morte maior que a morte. Tudo está mais vazio que o vácuo. É um caos de coisas nenhumas.
Se penso isto e olho, para ver se a realidade me mata a sede, vejo casa inexpressivas, caras inexpressivas, gestos inexpressivos. Pedras, corpos, ideias - está tudo morto. Todos os movimentos são paragens, a mesma paragem todos eles. Nada me diz nada. Nada me é conhecido, não porque o estranhe mas porque não sei o que é. Perdeu-se o mundo. E no fundo da minha alma - como única realidade do momento - há uma mágoa intensa e invisível, uma tristeza como o som de quem chora num quarto escuro.'
Não sei se estes sentimentos são uma loucura lenta do desconsolo, se são reminiscências de qualquer outro mundo em que houvéssemos estado - reminiscências cruzadas e misturadas, como coisas vistas em sonhos, absurdas na figura que vemos mas não na origem se a soubéssemos. Não sei se houve outros seres que fomos, cuja maior completidão sentimos hoje, na sombra que deles somos, de uma maneira incompleta - perdida a solidez e nós figuramo-no-la mal nas só duas dimensões da sombra que vivemos.
Sei que estes pensamentos da emoção doem com raiva na alma. A impossibilidade de nos figurar uma coisa a que correspondam, a impossibilidade de encontrar qualquer coisa que substitua aquela a que se abraçam em visão - tudo isto pesa como uma condenação dada não se sabe onde, ou por quem, ou porquê.
Mas o que fica de sentir tudo isto é com certeza um desgosto da vida e de todos os seus gestos, um cansaço antecipado dos desejos e de todos os seus modos, um desgosto anónimo de todos os sentimentos. Nestas horas de mágoa súbtil, torna-se-nos impossível, até em sonho, ser amante, ser herói, ser feliz. Tudo isso está vazio, até na ideia do que é. Tudo isso está dito em outra linguagem, para nós incompreensível, meros sons de sílabas sem forma no entendimento. A vida é oca, a alma é oca, o mundo é oco. Todos os deuses morrem de uma morte maior que a morte. Tudo está mais vazio que o vácuo. É um caos de coisas nenhumas.
Se penso isto e olho, para ver se a realidade me mata a sede, vejo casa inexpressivas, caras inexpressivas, gestos inexpressivos. Pedras, corpos, ideias - está tudo morto. Todos os movimentos são paragens, a mesma paragem todos eles. Nada me diz nada. Nada me é conhecido, não porque o estranhe mas porque não sei o que é. Perdeu-se o mundo. E no fundo da minha alma - como única realidade do momento - há uma mágoa intensa e invisível, uma tristeza como o som de quem chora num quarto escuro.'
Bernardo Soares
in Livro do Desassossego
Saturday 17 October 2009
08ix2006
Lisboa
Onde me perco
Onde me misturo na multidão
E me sinto só
No silêncio ensurdecedor
Do trânsito à hora de ponta
No ritmo da máquina de café
No sabor do açúcar no fundo da chávena...
Encontro-me
E rapidamente esqueço o que sou.
Em pedra esculpida em varandas
Suicido tristezas
E experimento o vazio da solidão.
No moribundo Tejo
Lavo os pés
E descanso o sonho...
Onde me perco
Onde me misturo na multidão
E me sinto só
No silêncio ensurdecedor
Do trânsito à hora de ponta
No ritmo da máquina de café
No sabor do açúcar no fundo da chávena...
Encontro-me
E rapidamente esqueço o que sou.
Em pedra esculpida em varandas
Suicido tristezas
E experimento o vazio da solidão.
No moribundo Tejo
Lavo os pés
E descanso o sonho...
22iii2002
Morte, porque demoras tu a chegar?
Porque me deixas viver
Nesta angústia de saber
Que um dia me virás buscar?
Leva-me! Leva-me agora,
Pois a dor já não a aguento.
Aproveita este vento;
Sinto que esta é a Hora...
Toma-me pelos lábios! Invade-me o corpo!
Arranca cada pedaço vivo de mim!
Dá-me o prazer de ter um triste fim!
Não quero que deixes vestígios de meu ser morto.
Porque me deixas viver
Nesta angústia de saber
Que um dia me virás buscar?
Leva-me! Leva-me agora,
Pois a dor já não a aguento.
Aproveita este vento;
Sinto que esta é a Hora...
Toma-me pelos lábios! Invade-me o corpo!
Arranca cada pedaço vivo de mim!
Dá-me o prazer de ter um triste fim!
Não quero que deixes vestígios de meu ser morto.
Monday 12 October 2009
Regresso às histórias simples – 5
Eis-me acordado
Com o pouco que sobejou da juventude nas mãos
Estas fotografias onde cruzei os dias
Sem me deter
E por detrás de cada máscara desperta
A morte de quem partiu e se mantém vivo
A luz secou na orla desértica da cidade
Escrevo para sobreviver
Como quem necessita partilhar um segredo
Este corpo em que me escondi
Gastou-se
Quantas noites permanecerão intactas
No fundo do mar? O rosto ainda jovem
Foi tesouro de seivas que me entonteceu
Pelo corpo condeno-me à vida
De susto em susto à inutilidade da escrita
Mas eis-me acordado
Muito tempo depois de mim
Esperando por alguma fulguração do corpo
Esquecido
À porta do meu próprio inferno
Al Berto
In Medo
Com o pouco que sobejou da juventude nas mãos
Estas fotografias onde cruzei os dias
Sem me deter
E por detrás de cada máscara desperta
A morte de quem partiu e se mantém vivo
A luz secou na orla desértica da cidade
Escrevo para sobreviver
Como quem necessita partilhar um segredo
Este corpo em que me escondi
Gastou-se
Quantas noites permanecerão intactas
No fundo do mar? O rosto ainda jovem
Foi tesouro de seivas que me entonteceu
Pelo corpo condeno-me à vida
De susto em susto à inutilidade da escrita
Mas eis-me acordado
Muito tempo depois de mim
Esperando por alguma fulguração do corpo
Esquecido
À porta do meu próprio inferno
Al Berto
In Medo
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